31.1.02

::O Que Não É

E aí como é que vai, por que ainda não morreu
Engraçado, o mundo inteiro tá melhor do que eu
Todos cantam, todos riem, tudo está em seu lugar
Só eu que sofro, eu que grito, eu que não posso amar
Já não amo e já não quero e já não consigo também
Sou o poço de todo o fedor e a desdém
A sobra mais ordinária, a idéia mais canalha
O que funciona justamente quando todo o resto falha
O rei, das calúnias, das lorotas
O errado, indecente, esquisito, idiota
O que se assume e se resume em uma única só palavra
Não posso
Alegrar-me
De ser
Alguém legal
Pois não sei nem ser alguém, não sei nem ser mortal
O que vive, o que sofre, o que faz, o que jaz
O que espera a vida inteira alcançar o nunca mais
Quisera eu, pudera eu fazer meu mundo girar
Mas só eu não sei viver, só eu não sei amar
E dar a alguém um pouquinho de sentimento
Ha! Ha! Ha! Se é que eu sei do que se trata
O sentir, o dar, nessa alma que só maltrata
A si própria e ao resto da civilização
Que levita, parasita, se contenta com o que lhe dão
Alma inimiga, mendiga
Que não sabe se entregar, que não sabe seu lugar
E faz de mim o coitadinho que não consegue nem amar
O coitado que se esquece como o mais mísero grão
O que ninguém reconhece, ninguém dá a mão
O que sonha escondido, porque não pode sonhar
O que pede socorro e ninguém quer salvar
Que só conhece a diversão quando vê alguém sorrir
E que se priva das únicas emoções que é autorizado a sentir
O mais pobre sujismundo, uma pena podre jogada ao léu
Que se sente um passarinho quando há caneta e papel
Mas logo vem uma arma para o pássaro matar
E pra que eu perceba que sou o único que não pode amar
Que não pode se mexer, nem um segundo, nem um momento
Que deve se deixar levar por onde soprar o vento
Porém não me nego, não me cego
Não troco o não pelo sim
Pois de qualquer outro modo saberia que sou assim
O côncavo convexo, completamente sem nexo
O último a respirar, o inverso do que há
Não padeço, só reconheço o que me sobrou enfim
O
Fardo
Inaceitável de viver dentro de
Mim