7.11.02

::Conto novo no pedaço...

::Presente de Aniversário

Aquela manhã ensolarada combinava perfeitamente com a alegria de Susana. Afinal, havia finalmente chegado o dia de seu aniversário, o primeiro longe da família e dos amigos, mas nem por isso menos especial. Sabia que os companheiros de trabalho haviam preparado uma festa surpresa – alguém que não sabia do caráter surpresa da festa comentou com ela a respeito – e se arrumou a altura de quem seria o centro das atenções do dia. Seria.

Pois, ao sair de casa, tudo pareceu inexplicavelmente conspirar para que ela não chegasse ao trabalho, ou que pelo menos se atrasasse. Primeiro foi o carro, que resolveu entrar em greve no dia mais importante do ano para ela. Não funcionou de modo algum, e Susana foi abrigada a tomar um táxi até o emprego. Não tinha percorrido um quilômetro, quando um pedestre desatento atravessou a rua no momento em que o taxista, olhando para o lado, perguntava a Susana qual rota preferia. O atropelamento foi inevitável.

Susana teve que se dirigir à delegacia, junto com o taxista, para prestar depoimento como testemunha do acidente. No interrogatório, explicou que era brasileira, tinha 21 anos, completados naquele dia, e que há um ano havia se mudado para Nova York por ter recebido uma ótima proposta de emprego na matriz da empresa de telecomunicações para a qual já trabalhava há três anos no Brasil. Solteira, morava sozinha. Susana foi liberada uma hora e meia depois e saiu da delegacia preocupada com o atraso inevitável. Ligou o celular para avisar a um colega de trabalho o que ocorrera. Ninguém atendeu. Estranhou o fato, pois sabia que àquela hora a empresa estava a mil, lotada de gente. Não demorou muito para que entendesse.

Ao olhar para um telão na fachada do edifício em sua frente, deparou-se com imagens inacreditáveis: um avião se chocando contra o World Trade Center, onde trabalhava. Um dos edifícios que levavam esse nome não existia mais. O outro era, agora, uma imensa fogueira que não demoraria muito para desmoronar.

Num primeiro momento, se recusou a acreditar. Achou que era o trailer de algum filme ou uma campanha publicitária de muito mau gosto. Não era. A emissora de TV informava: 11 de setembro de 2001, uma onda de ataques terroristas se espalha pelo país. Foi quando percebeu que, nas ruas, não havia um décimo da quantidade habitual de gente. Verdade então. Certeza confirmada ao ver, pelo telão, o segundo edifício desmoronando e centenas de pessoas correndo, desesperadas. Olhou em direção a ilha de Manhatan e lá estava a nuvem gigantesca de fumaça. Entrou em pânico.

Após conseguir uma carona – ônibus e táxis estavam parados – , chegou em casa, sentou-se no sofá da sala e ali ficou, por horas, chorando. Sentia um misto de dor e alívio. Dor, pelos 120 colegas da empresa que haviam morrido e por saber que sua grande oportunidade de um futuro promissor desabara diante de seus olhos. Alívio, por todos os contratempos que teve e que lhe impediram de chegar ao trabalho. Era seu aniversário e Deus resolvera lhe dar de presente a vida. Já amanhecia um novo dia quando aliviou-se do pânico e conseguiu dormir. Foi o pior – e o melhor – de todos os seus aniversários.