::A missão era a seguinte: na aula de Oficina de Textos foram dados dois parágrafos iniciais de contos já existentes. Tínhamos que escolher um e desenvolvê-lo. Todo o começo em itálico corresponde ao tal parágrafo e o restante é o que esse moço aqui fez a partir dele.
::Lira Mortal
O envelope não tinha nada de especial. Branco, retangular, seu nome e endereço datilografados do lado esquerdo, sem remetente. Guardou-o no bolso até a hora de dormir, quando, vestindo o pijama, lembrou. Pablo tivera um dia tão atarefado que aquela carta, aparentemente anônima, passara despercebida. Só agora, no fim de sua rotina diária, é que lembrou de tê-la recebido pela manhã, das mãos do porteiro do edifício. Procurou-a no bolso do paletó que acabara de tirar, abriu-a e leu: “Fui eu! Some things are meant to be”.
Num primeiro momento, aquela mensagem, escrita com tinta vermelha parecida com sangue, não teve sentido algum para ele. Quinze minutos se passaram até que o telefone tocasse e ele compreendesse o recado: seu irmão, aos prantos, disse-lhe que acabara de chegar na casa de Dona Cecília, mãe deles, e a encontrou morta no chão da sala. Tinha sido esfaqueada doze vezes e, ao lado de seu corpo, havia uma carta. A pedido de Pablo, seu irmão abriu a carta e leu: “Some things are meant to be”.
Imediatamente, Pablo se aprontou para ir à casa da mãe. Aquilo tudo era muito confuso, misterioso, precisava saber quem era o assassino de D. Cecília. Foi ao hall de entrada procurar as chaves do carro quando se deparou com a foto dele e Lira abraçados, numa boate que costumavam freqüentar.
Lira era uma ex-namorada de Pablo, com quem terminara há um ano. Extremamente possessiva e ciumenta, ela não dava um minuto de descanso ao namorado. Ligava para seu celular o dia inteiro para saber onde estava e com quem. Após apresentar a namorada para D. Cecília, Pablo teve uma séria discussão com Lira e terminou o namoro. Ela ficou inconformada e achou que D. Cecília é que tinha aconselhado o filho a pôr fim no romance. Fez uma longa viagem ao exterior para tentar esquecer Pablo. Em vão. Voltou ao Brasil doze meses depois, decidida a procurá-lo e reatar o namoro.
Encontrou um Pablo feliz e de casamento marcado com Mariana, uma das clientes do salão de beleza de D. Cecília, que lhe havia apresentado a moça. A notícia deixou Lira desesperada e fez com que o desafeto por D. Cecília se tornasse ódio mortal.
Dois dias depois, ali estava Pablo olhando sua foto com Lira tirada numa noite comemorativa do aniversário da morte do ídolo maior dela: Elvis Presley. O casal tinha acabado de dançar “Can´t Help Falling In Love” quando a foto foi tirada. Pablo não acreditou nas próprias conclusões. Não podia ter sido ela, era loucura. Por mais obsessivo que fosse o seu amor, Lira não seria capaz de tal crueldade. Só haveria um jeito de ter certeza.
Partiu em alta velocidade para a casa dela. Bateu insistentemente na porta e ninguém o atendeu. Forçou a maçaneta e, para sua surpresa, a porta estava destrancada. Entrou furioso, decidido a pressionar a ex-namorada até que confessasse o crime. Não conseguiu. Ao acender as luzes da sala, encontrou Lira agonizando no chão. Ela acabara de dar uma facada na barriga. Em uma das mãos tinha uma foto de Pablo. Na outra, a capa de um disco que estava na vitrola. Morreu ouvindo Elvis cantar: “Some things are meant to be”.
14.11.02
Publicada por fitomaia. à(s) 06:57
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