Conto novo no pedaço...
::O Casamento
No monitor, uma linha reta. Nos olhos azuis de Nara, um brilho que denunciava o momento mais feliz de sua vida. Tirou fotos, jogou o buquê, cumprimentou os pais dela e os do noivo – únicos convidados presentes. Ao chamar o noivo para o brinde, finalmente caiu em si. A euforia tinha passado. E o sonho acabado.
Há dois anos, Nara e Julio decidiram se casar. O namoro já havia durado outro dois anos suficientes para que eles constatassem que não podiam mais viver um sem o outro. Era dia 10 de novembro de 2000, aniversário de Nara, quando Julio fez o pedido oficial aos pais dela. Depois da festa, conversando a sós, decidiram que o casamento seria no próximo aniversário de Nara.
Passaram um ano inteiro ocupados com os preparativos de uma festa que demonstrasse e ostentasse o tamanho do amor do casal. Foram convocados os maiores especialistas na área: o melhor bufê, os melhores floristas, o coral mais afinado, o padre mais respeitado, o costureiro mais famoso. Muitos casamentos não sairiam tão caros quanto o vestido de noiva de Nara. Caro também foi o aluguel da fazenda escolhida para sediar a cerimônia. Enfim, luxo e altas cifras eram lei.
Só que Nara e Julio não tinham dinheiro suficiente para alugar o Sol. O dia 10 de novembro de 2001 chegou e com ele veio o pior temporal do ano, que durou nove dias e devastou a maior parte das cidades por onde passou. A fazenda que alugaram se tornou uma poça de lama gigantesca e a solução foi adiar o casamento. Por insistência de Nara, a festa ficou para o aniversário seguinte.
A espera seria de turbulências na vida do casal. Afinal, tinham gasto bem além do que podiam em uma cerimônia que não aconteceu e não tinham de onde retirar dinheiro para preparar outra. A crise financeira contribuiu para o início de uma crise conjugal. Tomados pelo nervosismo, causado por dívidas intermináveis, passaram a brigar por pequenas coisas e por pouco não terminaram o relacionamento. Os pais de Julio resolveram presentear os noivos com uma viagem para que tentassem se entender. Passaram duas semanas a sós, no exterior, e voltaram mais apaixonados que nunca.
Optaram por uma cerimônia pequena e simples, realizada na igreja do bairro mesmo, já que faltava apenas um mês para o aniversário de Nara. Nada de luxos agora, pois tinham amadurecido bastante com os problemas que enfrentaram e se deram conta de que não precisavam ostentar para ninguém o quanto se amavam. Os dias voaram e, às 6 horas da manhã do dia 10 de novembro de 2002, Nara saltou da cama com uma disposição para ser feliz que jamais tivera. O casamento era às 15 horas.
Depois de dois anos de espera, Nara contrariou as tradições e chegou pontualmente às 15 horas na igreja. Ninguém estava lá. O padre foi comunicá-la de que Julio sofrera um acidente a caminho da igreja e estava internado no hospital. Nara ficou alguns minutos sem dizer uma palavra sequer e, estranhamente, não derramou uma lágrima.
Quarenta minutos depois, entrou no quarto de hospital onde estava o noivo, acompanhada pelo padre. Convidou seus pais e os de Julio a entrarem e ordenou que o padre começasse a cerimônia. Ele, numa posição desconfortável e observando o misto de desespero, euforia e loucura da noiva, iniciou o ritual sagrado. A consciência de Julio foi suficiente para que ele dissesse “sim”. Ela beijou-o e festejou com brilho nos olhos o casamento, enquanto aparecia, no monitor que media a freqüência cardíaca de Julio, uma linha reta.
2.1.03
Publicada por fitomaia. à(s) 04:06
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