::O texto a seguir é uma reportagem sobre inclusão digital no município de Niterói que fiz semana passada para a faculdade. A quem interessar...
::Inclusão digital em Niterói: bons índices escondem as desigualdades
Democratizar o acesso a computadores e promover a inclusão digital e social por meio do ensino da informática. Esses desafios ainda são grandes até mesmo em Niterói, município que apresenta o segundo maior número de usuários de computadores do país. Eles somam mais de um terço da população do município (34,16%). Entretanto, o acesso a essa tecnologia continua sendo privilégio de quem pode pagar por ela. Os dados são do “Mapa da exclusão digital”, estudo publicado em abril desse ano e que resulta de uma parceria entre a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Comitê pela Democratização da Informática (CDI).
O município tem muitos usuários de computador, mas não é um exemplo em termos de políticas governamentais de inclusão digital. A afirmação é de Michéle Tancman, professora e coordenadora do curso de Geografia da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), em Niterói e professora dos cursos de especialização e latu-sensu em Geografia da Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CECIERJ).
- Falta vontade política. Ela diz ainda que o governo municipal não sabe aproveitar o potencial da cidade em termos de acesso às tecnologias da informação e que a prefeitura sequer tem um site oficial.
Michéle é autora da monografia de pós-graduação pela Universidade Federal Fluminense em Organização Espacial do Rio de Janeiro intitulada “A Dimensão do Ciberespaço sob o Prisma da Cidade Digital de Niterói”. Publicado em 2000, o trabalho aborda questões como as diferenças constitutivas entre a cidade real e a cidade digital e traça o perfil dos usuários de computador e de internet do município. Eles são cerca de 160 mil, têm alto poder aquisitivo – mais de 50% com renda superior a dez salários mínimos – e vivem em sua maioria nos bairros de Icaraí (34,4%), Santa Rosa e na Região Oceânica (13,7% cada). Os jovens de 20 a 29 anos são 27,6 % desses internautas, enquanto crianças e adolescentes representam cerca de 10,3%. O nível de instrução é muito bom – em média dez anos de estudo – e 55% falam inglês. As funções mais comuns são as de estudante e profissional de informática. Na tese foram utilizados dados da 1ª pesquisa do site Niterói na Internet (http://www.nit.com.br/), realizada em agosto de 1999.
Segundo Michéle, Niterói é uma cidade digital espontânea, ou seja, um local no qual o acesso ao mundo digital se dá principalmente por necessidade do usuário. Ela destacou ainda a importância de uma infra-estrutura adequada para a existência de uma cidade digital e a criação da NitNet, o primeiro provedor de acesso via linha telefônica com discagem a preço de ligação local, que possibilitou a expansão da internet no município.
A população de baixa renda beneficiada por projetos de inclusão digital não tem representação significativa nos índices gerais do mapa FGV/CDI. O que não quer dizer que os projetos sejam ineficazes. Pelo contrário, eles são um ótimo modo de levar à maior parte da população o aprendizado da informática e de despertar a consciência de que, nos dias de hoje, estar excluído digitalmente é estar excluído socialmente. Afinal, estar incluído na sociedade é trabalhar, prestar serviços, e o mercado oferece melhores empregos e salários a quem sabe usar um computador.
Mas será que basta promover a inclusão digital? Não continuará existindo dentro do espaço virtual a mesma segregação do real? Para Michéle, a segregação existe, mas não dessa forma. Dentro do universo dos usuários de internet a interação é sempre possível, visto que a principal moeda de troca entre essas pessoas é a informação, não o dinheiro. Aquele que possuir informação, independentemente de ter ou não bom poder aquisitivo, sairá ganhando. A professora crê que a cidade digital é uma projeção da cidade real e, sendo assim, os únicos excluídos são aqueles que estão fora do mundo digital, não havendo segregação entre os já incluídos.
Quem pensa de forma semelhante é Anne Clinio, assistente de comunicação que há quase um ano trabalha no CDI, organização não-governamental sem fins lucrativos que promove, através do ensino da informática, a inclusão social de pessoas de baixa renda. Ela acredita que as tecnologias de comunicação e informação podem ajudar a diminuir as distâncias entre as pessoas, tanto em relação à territorialidade quanto à circulação de novas idéias. A informática poderia ser utilizada para facilitar o diálogo entre os diversos segmentos da sociedade.
O CDI surgiu em 1995 no Rio e, por meio de parcerias com organizações comunitárias, já abriu Escolas de Informática e Cidadania (EICs) em vários pontos do país e até no exterior. As EICs ministram cursos gratuitos ou cobram uma pequena taxa mensal, que pode ser substituída por prestação de serviços caso o aluno não tenha condições de pagá-la. Os cursos têm em média três meses de duração e não ensinam apenas o domínio do computador, mas a importância desse saber no exercício da cidadania. O público-alvo são os jovens, mas já existem EICs em presídios e em instituições psiquiátricas e para deficientes físicos. A eficácia dos cursos é comprovada pelos alunos:
- Uma avaliação externa realizada em 2000 pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) com os nossos alunos concluiu o seguinte: 90% acreditam que os cursos superaram suas expectativas, 90% pretendem continuar nos cursos, 87% crêem que os cursos modificaram positivamente suas vidas e 79% têm esperança de conseguir emprego – informa Anne.
Atualmente existem seis EICs em Niterói ligadas a comunidades e fundações locais. Na Associação de Assistência Social Coração de Jesus, em Santa Rosa, 80 pessoas – adolescentes e adultos – são beneficiadas pelo curso. A mensalidade é de R$ 10,00 e o dinheiro arrecadado é utilizado na manutenção e no pagamento dos instrutores, que são voluntários cadastrados no CDI. Há uma EIC voltada para os jovens da Fundação Gol de Letra, uma na quadra da escola de samba Viradouro, aberta à comunidade, e outras três nos bairros de Barreto, Vital Brasil e Fonseca.
Os computadores de todas as EICs são frutos de doações feitas por empresas ou pessoas físicas. Os equipamentos são levados para uma central de doações onde são reformados para um bom aproveitamento. Para doar computares para o CDI deve-se entrar em contato com o CDI-RJ através do telefone 2201-7770 ou pelo e-mail denilso@cdi.org.br. Quem desejar ser voluntário pode telefonar para 2559-2039 e enviar e-mail para ricardo@cdi.org.br.
Existem outros projetos em prática no município e alguns à espera de recursos. A UNIVERT – Universidade da Terceira Idade – é um projeto que visa à promoção da cidadania entre os idosos. Atualmente está sediada no campus de Direito da Universidade Federal Fluminense, mas não é diretamente ligada a UFF. A política pedagógica do projeto inclui o ensino da informática.
O Programa Sociedade da Informação (SocInfo) brasileiro, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, tem elaborado um Programa de Universalização do Acesso através da instalação de computadores em bibliotecas e escolas públicas de todo país, inclusive de Niterói. O dinheiro viria do FUST, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, criado no governo Fernando Henrique e que já arrecadou cerca de R$ 2 bilhões. Os recursos são obtidos por meio da cobrança de 1% do movimento das operadoras do sistema de telefonia do país – fixas, móveis e de TV a cabo, sem implicar alteração no custo final da tarifa paga pelo consumidor. O dinheiro deve ser destinados a projetos que atuem nesse sentido, mas até hoje não foi liberado.
Muito se espera dos governos federal e estadual, mas pouco tem sido feito. Quase a totalidade dos projetos bem-sucedidos são tocados por ONGs como o CDI. As exigências para liberação do FUST são muitas e difíceis de serem cumpridas. Em conseqüência, projetos ótimos não saem do papel. Enqüanto isso, dois terços da população niteroiense e a esmagadora maioria dos brasileiros ficam à margem do mundo digital e à margem da sociedade.
18.5.03
Publicada por fitomaia. à(s) 03:32
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