29.8.05

Crônica de um sonhador confesso






Como se medem os sonhos? Ou melhor: é possível medir os sonhos? Qual seria então sua unidade de medida? Quilômetros, litros, decibéis, joules? Não, nenhuma serve. Será que deveríamos instituir uma nova unidade? Que tal sono por sonho cúbico (s/so³)? Acho que não, afinal, há quem sonhe acordado. E, além disso, sei lá se sonho é algo cúbico. Vai que alguém sonha em duas dimensões...Já sei! Sonho por vida (so/vi). Hmmm, mas tem tanta gente que passa a vida inteira sonhando que seria alto o índice de coeficiente 1 nessa relação. Certamente não é o que busco.

Mas se estamos falando em medir, há que se responder primeiramente a uma outra questão: sonho tem tamanho? Existe sonho pequeno, médio e grande, ou é tudo sonho e pronto? O que seria um sonho pequeno: passar de ano no colégio? Para um CDF isso sequer é sonho, é apenas meta. Já para um sujeito que nunca simpatizou muito com os livros pode até ser e, dependendo de suas aspirações de vida, não representa pouca coisa.

Ainda assim, será que dá pra fazer uma classificação, uma hierarquização de sonhos seus e dos outros? Eu confesso que, muitas vezes, me pego ouvindo anseios e desabafos alheios e pensando: “nossa! Que sonho mais chinfrim”. Ou então: “depois de realizar esses, qual será seu próximo passo? Destituir Deus do posto de Todo Poderoso por considerar-se mais capaz que ele?”.

Podemos todos voar até onde nossa ambição permite ou deveríamos ter limites até para sonhar? Bom, depois de assistir ao documentário “The Corporation” não duvido que, daqui a algum tempo, nós tenhamos mesmo que podar as idéias. Já até imagino o nome do pedágio, imposto, taxa ou seja lá o que for que pagaremos pra sonhar. O que acham de ICSS – Imposto Compulsório sobre Sonho Sonhado? Ih! Ficou redundante, né? Mas pedágio também não poderia ser. Caso contrário, os sonhadores de toda a vida de quem falei há pouco não teriam tempo para conseguir dinheiro suficiente, por estarem ocupados demais caminhando com seus devaneios.

E mais: para a viabilidade desse comércio onírico seriam necessários mecanismos de conversões, como um câmbio. Exemplo: sonhou com a namorada? Paga X. Sonhou com a vizinha? Paga 2X. Sonhou com a Luana Piovani e a Cicarelli juntas, chamando pra brincar de médico ginecologista? Aí inflaciona pra 400X e só é permitido depois das 22h.

Na verdade, creio que a institucionalização do sonho não vingaria nos dias de hoje. Ia ter partido político pagando a oposição pra ter os mesmos sonhos do governo. Se bem que isso nem seria de todo mau, né? Suponho que pelo menos os sonhos do Lula pro Brasil sejam mais interessantes que os do ACM ou do Enéas. Esse último então, certamente almeja explodir o mundo depois de dar o Ministério de Minas e Energia – o mais importante de seu governo – para a Dra. Havanir e criar o último programa nuclear da História, o de número 56 (“meu nome é APOCALIPSE!!!”). Medo! Melhor apoiar o mensalão do sonho. Ou seria sonhalão?

Depois de todos esses questionamentos, você, caro leitor, deve estar se indagando: “onde esse sujeito quer chegar? Cadê a conclusão disso?”. Peço um pouco mais de paciência. Ainda me restam algumas interrogações. Próxima: você já parou pra pensar – hoje ou ultimamente – em quais são os seus sonhos? Sim, o que você quer realizar, o que o faria completo, feliz? E será que quando realizar estes sonhos que lhe vieram à mente agora você não iria querer mais nada? Existe essa tal fórmula da felicidade eterna? Onde ela se esconde? Nas águas de uma ilha tailandesa ou dentro da calcinha da Gisele Bündchen?

Você já fez um balanço de quantos sonhos realizou e de quantos teve que abdicar? Ou ainda de quantos sonhos realizados que corresponderam às expectativas e quantos eram, de fato, mais dispensáveis do que você imaginara? Sim, a frustração também faz parte dessa caixa de surpresas chamada felicidade.

Pois tenho de forma clara pra mim que nossa concepção de ser feliz é temperamental, vive mudando ao longo da vida. A plenitude de hoje é o desassossego de amanhã. Encaro a vida como um constate realizar de sonhos que, em conjunto, formam etapas da nossa jornada, nos levam a outras inquietações, a outros anseios, novos sonhos. Portanto, acho mais adequado falarmos sobre o que nos faria felizes (ou mais felizes) não ad infinitum, mas hoje, agora, nos próximos dias, meses e anos, até a chegada de desejos maiores ou opostos ou diferentes.

O que o faria feliz hoje? Hã, primeiro eu? Tá, tudo bem, eu falo. E, para isso, retomo os questionamentos iniciais do texto, só para dizer que não acredito que meus sonhos sejam enormes, tamanho GG, impossíveis. Sinceramente, considero-me modesto quando o assunto é felicidade.

Primeiramente, quero pesquisar bastante e escrever uma monografia de fim de curso foda, relevante, e me formar com a melhor qualificação que for capaz de obter. Dado este passo, e com a experiência que estou adquirindo, arranjar um emprego que me renda a cada mês um montante decente, que cubra as despesas com moradia, alimentação e diversão, porque ninguém é de ferro. Não quero ser rico não, mas morrer de fome também não está entre os projetos de nenhum ser humano que passou anos e anos estudando.

Vida financeiramente estabilizada, hora de pensar no coração. Afinal, como diria meu queridíssimo Tom, “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”. Quero amar como já amo e ser amado como já fui e sou. Encontrar – ou quem sabe reencontrar? – a cara-metade (sim, eu acredito nelas, ainda que sob a condição do eterno enquanto dure), que me ame como eu sou, que adivinhe pensamentos, que tenha beijos, abraços e cafunés na exata medida da minha carência, que me faça virar os olhos de tesão e babar de admiração. Que ela existe, existe e eu posso assegurar. Infelizmente saber, querer e ter não são sinônimos. Às vezes fico pensando se é melhor jamais encontrar a perfeição com nome e sobrenome ou encontrá-la e ser obrigado a ficar na janela assistindo à sua partida...

Tem mais? Até tem. Talvez um entendimento maior com o espelho, aquela tão prometida volta aos palcos, um livro, um filho, uma casa de veraneio no meio do nada, ver comédia romântica na TV a dois e embaixo de um cobertor bem gostoso, com direito a muito frio, chocolate quente, bolo de cenoura e beijo na boca. Seriam estes complementos da minha atual formula básica de felicidade, a calda de chocolate do sorvete. Mas só o sorvete já me faria sorrir muito. E lamber os beiços.

Que tal? Ambicioso demais? Impossível? Não mereço tanto? Você considera seus sonhos mais ou menos grandiosos que os meus? Vale a pena comparar? Eu não creio que valha. Se a sua felicidade está à venda no shopping, não necessariamente me sinto tentado a dizer “sorte a sua”. Eu posso conseguir tudo o que listei antes que você tenha grana suficiente pra garantir sua MacHappiness. A questão é não encarar a realização dos sonhos como uma competição, e sim como a busca do seu ponto de equilíbrio sem causar a queda de outros, ou pelo menos de outros que não mereçam cair.

A despeito de tamanho, medida, classificação e viabilidade, o que sei é que sonhar é indispensável para mim. É minha bússola, o que me norteia, o que me faz querer acordar e levantar todos os dias. Não porque tenha a certeza de que vou vingar e conquistar tudo o que pretendo. Tal certeza ninguém possui. O que é certo para mim e em mim é a vontade de sempre olhar adiante com olhos de quem acredita e quer seguir em frente até sentir que chegou a um lugar confortável para descansar. Mas só até que os pés cocem de tédio novamente.


[rafaelmaia]


* na foto, o paraíso by rafaelmaia.