Rafael Maia entrevista: VANESSA DA MATA
Vanessa da Mata, nome de destaque da nova safra de cantores e compositores de MPB, tem dois álbuns lançados e alguns sucessos, como "Não Me Deixe Só" - cuja versão remix é bastante popular entre os mais baladeiros -, "Nossa Canção" e "Eu sou Neguinha" - de Caetano Veloso, tema da novela global "A Lua Me Disse". A entrevista a seguir foi realizada em dezembro de 2004, nos estúdios da Fluminense FM, onde estagiei, quando Vanessa lançava o álbum "Essa Boneca Tem Manual", ainda em divulgação. O papo foi ao ar no programa Fashion Club e agora está aqui, na íntegra, para os leitores do POETAQUEPARIU.
Você está divulgando seu segundo álbum, "Essa Boneca Tem Manual", no qual você regrava Chico, Caetano e assina a maioria das composições. Como você entende esse álbum em relação ao seu trabalho anterior ("Vanessa da Mata", de 2002): é uma continuidade ou uma nova etapa de sua carreira?
As duas coisas. É uma continuidade e uma nova etapa. Continuidade de um trabalho que vem sendo feito desde os 15 anos de idade (Vanessa tem 28) e ao mesmo tempo uma nova etapa porque é um novo trabalho, uma nova fase da vida, novas experiências, é o segundo disco, um trabalho que teve estrada, experiência a favor, novas composições.
É fácil perceber nos seus dois álbuns pinceladas de diversos estilos musicais. Você passeia pelo samba-rock, pelo blues e pela valsa, só pra citar alguns. Quais os artistas que influenciam o seu som hoje e quais foram fundamentais na sua decisão de ser cantora?
Bom, eu estudei muito - no sentido de ouvir muito, prestar atenção - Maria Bethania, Djavan e Gonzaguinha. Ouvia muito Roberto Carlos, que é influência quase que automática, pois cresci ouvindo. Roberto é sempre muito bem vindo. E ouvia de tudo, porque minha cidade (Vanessa é de Alto Garças, Mato Grosso), no Centro Oeste do Brasil, recebia todos os tipos de música, desde folia de reis a cururu e siriri, que são os ritmos de lá, ou mesmo música gaúcha, porque têm muitos gaúchos na minha cidade por conta da soja. Além disso, tinham as coisas mais pop que surgiam na época e que eu via pela televisão. E música brega italiana, música brega francesa, Amado Batista e ao mesmo tempo Gonzagão. Tinha de tudo, era uma salada mista muito boa.
O quanto o fato de ter nascido numa cidade de interior e no Centro-oeste do país influenciou o seu som?
Acho que totalmente. A sua vida adulta depende muito da sua infância, da educação que você teve, do amor, do que você viu, da concepção de mundo, dentro das suas primeiras imagens, da fala e tudo mais. E minha cidade parece um romance de algum escritor baiano, algum escritor que fale de Brasil. É uma cidade muito peculiar, do interior, mas regada de Brasil de todas as formas, com nordestinos e pessoas do sul. E tem os personagens: a adúltera, o coveiro, o prefeito, o coronel, todas essas pitadas de uma boa história. Eu tenho sorte de ter nascido lá porque adquiri bagagem pra escrever histórias em contá-las nas músicas. Agradeço muito por ter nascido onde nasci.
Você disse que o cotidiano de sua cidade renderia um ótimo romance. A literatura também influencia a sua música?
Influencia muito. Eu não tive o hábito da leitura na minha infância, mas não faltava vontade. Hoje em dia eu tenho acesso e acho imprescindível pra criatividade, até mesmo pra ética, pra você ter a possibilidade de vários mundos pra viajar. É um chavão isso, mas é mesmo o que importa. A vida tem muitos caminhos depois de uma boa leitura.
E o que você tem lido?
Estou lendo pela segunda vez o "Grande Sertão: Veredas" (Guimarães Rosa) e comecei agora o "Viva o povo Brasileiro!", do João Ubaldo Ribeiro, que é demais.
Nomes conhecidos, como Chico César, Maria Bethania e até mesmo o Baden Powell tem uma importância muito grande na sua carreira, não é verdade?
O Baden eu conheci, uma sorte incrível, porque participei de um show na mesma noite que ele e ele gostou muito da minha voz. Era um momento em que eu estava insegura em relação à minha voz, porque a Bethania tinha acabado de gravar uma música minha e acabei ficando conhecida primeiramente como compositora. Daí fiquei me perguntando: será que sou boa o suficiente pra cantar coisas minhas e de outras pessoas? Ou será que devo apenas compor para os outros? Aí vem o Baden e me chama pra cantar algumas músicas com ele e diz coisas lindas da minha voz, ele foi maravilhoso. Um pouco antes a Bethania gravou uma composição minha e do Chico César que deu nome ao disco dela ("A Força Que Nunca Seca") e concorreu ao Grammy Latino, junto com Djavan e Caetano. Eu perdi para o Djavan, e quero deixar bem claro que foi uma honra perder pra ele (risos). E depois disso também rolaram parcerias com Daniela (Mercury, que gravou "Viagem"), Ana Carolina e o Caetano, que gravou "No Canto de Dona Sinhá" com Bethania no disco "Maricotinha".
Queria que você falasse um pouco sobre "A Força Que Nunca Seca", canção que deu uma projeção maior à sua carreira ao ser gravada pela Bethania (ela também faz parte do primeiro álbum de Vanessa) e que tem uma letra muito bela, sobre a miséria.
É, ela fala sobre uma senhora que carrega uma lata d´água na cabeça e que faz um esforço enorme pra ter essa água, que é pouquíssima. A lata pra mim representa as possibilidades de se ter boas condições na vida. Eu me lembrei da minha avó ao fazer essa letra, porque ela era baiana, a Dona Sinhá, e vivia carregando latas na cabeça. Ela me influenciou muito, fui praticamente criada por ela. Fiz essa canção para ela.
Como é o seu processo de composição. Você não toca nenhum instumento, não é verdade?
Não tocava! Agora eu sei quatro posições na guitarra (risos). Isso, pra quem não entende do assunto, é o mesmo que nada. Eu componho com o gravador, fazendo meldodias (Vanessa cantarola um na na na na...). Sei lá, invento alguma coisa e faço a letra depois, às vezes faço ao mesmo tempo. Esse casamento de letra e melodia varia muito: posso fazer uma ou outra primeiro ou as duas ao mesmo tempo, e depois ir trabalhando melhor. Mas sinto que esse processo, sem instrumentos, me dá uma liberdade de criação maior. Se eu fosse compor com instrumentos, sabendo o pouco que sei, criaria melodias mais limitadas, menos ricas.
E é difícil passar o seu "na na na na..." para alguém que domine um instumento, seja violão ou guitarra, e transformar isso em música?
Olha, dependendo da pessoa, é complicado, trabalhoso. Se o cara não conhece tanto o meu som, eu tenho que ficar horas com ele, preco a voz de tanto tentar que ele entenda o que eu quero dizer. Demora, porque eu tenho o arranjo na minha cabeça quando faço uma música. Se faço um samba, por exemplo, já o imagino com um cello, um surdo e uns metais em deteminado trecho, e nem sempre é fácil de entender. Mas tenho a sorte de geralmente trabalhar com pessoas muito boas, aí fica mais fácil.
A gente percebe nas suas composições diversas nuances da sua personalidade. Ora você é mais moleca, ao cantar "Essa Boneca Tem Manual" e mesmo na releitura de "História de uma Gata", do Chico Buarque; Ora você é mais mulher, mais sensual, atrevida e fala de temáticas sérias, como a seca. É isso mesmo? Vocé é mulher e menina ao mesmo tempo?
Olha, eu sou bem moleca (risos). E sou atrevida também. Eu sou tudo isso. Tenho preocupação com a sociedade, detesto injustiça, e ao mesmo tempo sou moleca com os meus amigos, falo besteira pra caramba, no trabalho sou séria, mulher. Não sou uma pessoa monossilábica, falo bastante. E acho que é normal, não fico querendo ter sempre um mesmo gênero de idéias, de assuntos. Procuro diversificar bastante porque eu sou tudo isso que canto. E às vezes esse tudo isso não sou eu também. Na canção "Essa Boneca Tem Manual" tem um pouco de mim, mas falo de uma outra pessoa, que tem um gato e está numa janela. E eu não tenho um gato, sou alérgica a eles. Misturo um pouco de mim à observação que faço de outras pessoas. "Eu quero enfeitar você" fala de uma amiga, que já estava num casamento há muito tempo e que perdeu a paixão pelo parceiro. E eu falei que ela precisava enfeitar essa pessoa que perdeu o charme pra ela, pra redescobrir as coisas boas. E resolvi fazer uma letra em cima dessa história, em parceria com o Liminha (ela cita os primeiros versos da música: Eu não quero este poder/ Toma ele pra você/ Eu só quero cantar, gozar e/ Gastar da vida/ Eu só quero um cafuné/ Um cobertor de orelha fixo/ Neste inverno tão rígido/ Fingir que acredito em você). Muitas vezes eu conto histórias que não são minhas.
E você diria que nas suas canções há também um pouco do que você gostaria de ser?
Tem sim. A minha compreensão é de que talvez eu seja um pouco do que penso ser. Somos muitos, nos manifestamos por alguns caminhos. E todo artista, ator, escritor, tem e realiza a fantasia de viver muitas vidas.
Como surgiu a idéia de gravar "História de uma gata" do Chico no seu segundo álbum?
Eu já cantava essa música nos shows e pra mim ela fala da infantilidade que se perdeu (ela cita a letra: O meu mundo era o apartamento/ Detefon, almofada e trato/ Todo dia filé-mignon/ Ou mesmo um bom filé... de gato/ Me diziam todo momento/ Fique em casa, não tome vento/ Mas é duro ficar na sua/ Quando à luz da lua/ Tantos gatos pela rua/ Toda a noite vão cantando assim/ Nós, gatos, já nascemos pobres/ Porém, já nascemos livres/ Senhor, senhora, senhorio/ Felino, não reconhecerás). Isso não tem nada de infantil. Pra mim é uma gata, ou uma mulher, que quando vê a luz da Lua foge de casa e vai namorar, some pelo mundo. Ou se liberta, vai cantar como eu, está ali no palco, completamente guerreira sob a luz da Lua. Pra mim é uma música adulta, que cresci ouvindo, me emocionando com ela, e hoje a vejo com outros olhos.
Nessa canção você conta com a participação de um coral de crianças da Rocinha. Como aconteceu essa parceria?
Eu cantei essa música com eles do Criança Esperança e a idéia era tirar as vozes infantis na versão de estúdio, justamente pra dar o ar adulto que eu queria. Mas foi tão emocionante pra mim que não consegui tirar as vozes deles. Eu chorei muito no estúdio, as crianças ficavam fazendo uma coreografia da música. E a filha do Jaquinho (Jaques Morelembaum) também participou, ela foi e dançou junto. São crianças diferentes, no sentido social mesmo, e que fizeram um trabalho super bonito.
Algumas músicas cantadas por você já foram incluídas em trilhas de novela ("Onde ir", "Nossa Canção"). Isso foi importante pra vc? Representou um salto na sua carreira? São essas as músicas mais pedidas nos seus shows?
São sim, mas "Não Me Deixe Só", que não entrou em novela, também é bastante pedida. Novela é sempre muito bom, porque mostra o seu trabalho em todos os cantos do Brasil. É uma coisa que não se paga, qualquer artista pode ter uma música incluída em novela. É legal ver pessoas lá no interior do país cantando a sua música. E quando você aparece em um programa de TV e canta aquele tema de novela, as pessoas vinculam a sua imagem àquela canção e cantam junto.
PS: 1. O PQP já tinha uma comunidade no Orkut, que você pode acessar clicando aqui. Agora é o poeta quem ganhou um clube de adeptos. Não perca tempo e conheça já a comunidade Rafael Maia with lasers. Impagável!
2. Em breve: poesias. Porque esse blog precisa fazer juz ao nome que tem.
3. Alguém pode me dizer por que raios os ceguinhos de "América" usam óculos de grau?
4. Gostou do blog? Vê se divulga pros amigos, né!?!? E deixe um comentário, porque eu sou um poeta carente, que precisa do feedback de vocês. Gimme a comment, please!
4.8.05
Publicada por fitomaia. à(s) 02:51
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