3.7.06

Na trave





Não, não é só um jogo. Quando aqueles onze atletas entram em campo, hasteamos bandeira branca para todas as nossas guerras. Qual briga, desafeto, picuinha, ódio mortal, indiferença ou tabu não é deixado de lado quando os canarinhos se enfileiram para a execução do Hino Nacional? E, por outro lado, qual tesão, paixão, amor à primeira vista ou eterno e incondicional consegue ter vez dentro do coração acelerado de um torcedor a instantes do início de uma partida?

Ao apito do juiz, inicia-se a comunhão que, ainda que momentaneamente, anula todo e qualquer contraste. Que fome ou miséria incomoda, quais cifras ou tesouros importam quando a conquista que mais desejamos escapa ao limite de nossos investimentos e sacrifícios? Que santo consegue ter paz, meu Deus, e qual ateu não faz figa quando a bola teima em não balançar a rede do adversário? Qual alma viva tupiniquim não pula e berra e ganha um carnaval a cada gol?

Peço licença ao povo do samba para afirmar que quem não gosta da nossa seleção é que bom sujeito não é. Razão mais que suficiente para que o torcedor brasileiro não admita derrota em campo. Quando os deuses canarinhos insistem em não bailar no panteão, 180 milhões de bons sujeitos se sentem traídos. O grito – de alegria ou de raiva (e por que seria de alegria?) – entala, a voz falta, a nação se cala. As luzes se apagam, as portas e janelas se fecham, o tambor não vibra, a baiana não roda, o churrasco torna-se indigesto, a vida torna-se indigesta e o dia se enche de horas e semanas e meses e anos e – Senhor, que sofrimento! – como demora a terminar!

A gringa que passeia pelas ruas daqui após uma derrota brasileira em Copa, deve se perguntar: “Quem será que morreu?” Poderíamos muito bem responder: “Um pouco de cada um de nós, madame” Independente da justiça do placar, do desempenho individual ou coletivo de nossa equipe, um luto irremediável nos assombra. A estrela que faltava enfeitar a camiseta parece apagar todas as outras no céu.

Resta-nos o silêncio e uma longa noite de sono difícil a uma nação que queria prorrogar o grito de gol até os 45 minutos do segundo sol nascente. Resta-nos o rançoso sabor da rotina, o amargo gosto da injustiça, da intolerância, da indecência, da decepção, da discrepância e da selvageria nossa de cada dia que queríamos, apenas por alguns instantes, esquecer.

Por isso, meu caro, nem tente me convencer de que é só um jogo.


|rafaelmaia.|